Chegamos à Covas do Monte ainda o rebanho não tinha saído dos currais. O passeio que fizemos na aldeia, atrevo-me a dizer que talvez ninguém (sem ser os moradores e donos das terras) fez. Passámos por todas as ruas e muitos caminhos entre terrenos. Fomos à azenha, à capela e quase que chegamos aos moinhos! 

   

BI

Filipe nasceu em França 1978.

É casado com a Ana e tem dois filhos um com nove anos e meio e o outro com dois anos e meio. Um já estuda na escola em São Pedro e o outro está em casa.

 

D.Amélia, sogra do Filipe, mãe da Ana e avó do Vicente e do Zé Pedro. Tem 53 anos, é casada com o João Pedro e gere o restaurante Amigos de Covas do Monte. É uma pessoa muito dinâmica. Nasceu e sempre viveu em Covas do Monte.

 

Sempre viveu em Covas do Monte?

“Não”, responde o Filipe. Adolescente, veio para Covas do Monte a pedido do pai, que já com alguma idade precisava de ajuda e da força do filho para tomar conta da casa, dos animais e das terras.  Completou o 12º ano, trabalhou como carteiro nos Correios em Viseu, também na TIR e depois regressou definitivamente para a aldeia e agarrou os projeto de agricultura “foi a melhor coisa que eu fiz”, diz. 

Depois de começar na agricultura, diz que “faz o que quer praticamente” no  sentido de ter o seu próprio horário, sabe o que tem de estar feito e quando. Tem tempo para estar com a família e está, vê os filhos a crescer. “Passo aqui uma vida de bem”, afirma.

Entretanto vem a sogra do Filipe, a D. Amélia trazer mais vinho e perguntar se está tudo bem. Continuamos a comer… e a falar. É mais fácil “segurar” o dinheiro aqui, não é que ganhe mais, gasto menos”. “Aqui temos as batatas, a vitela.”, conta.

 

Como é o seu dia a dia?

“O meu dia a dia normal… é assim, depende das épocas do ano, há a altura da sementeira, das colheitas, da pastorícia. Somos 5, um faz um dia os outros fazem dois.”, fala sobre a pastorícia. O Filipe faz duas vezes por semana e um outro rapaz também, os outros fazem um dia só. Mas porque é que têm de ir todos os dias para o monte? “O gado é do monte (não é de leite), se ficar no curral a comer só milho, fica doente”, explica. Então e vão lá “para cima” o dia todo? “Sim, levamos a “bucha” e depois regressamos às 15h, 16h… depende.... . Depende do tempo, depende se é Inverno ou Verão”, conta enquanto vai comendo.

Para além de tratar das cabras, das ovelhas e da terra, o Filipe tem um part time, o fumeiro.  É um fumeiro de lenha que tem numa das cozinhas de sua casa. É comum, nesta aldeia as pessoas terem mais de uma cozinha. Uma serve para as refeições e o uso do dia a dia, já a a outra é para “estas coisas”: para fazer a broa, o salpicão e o chouriço.  

   

Quantas pessoas vivem na aldeia?

30 e tal, 40, (para nosso espanto).

 

O local onde estamos era a antiga escola primária. Ainda tem a lareira, o azulejo, a fachada tal e qual como era. Lembra-se desse tempo?

“Sim, a minha sogra também se lembra.”, conta. A escola fechou em 1987, quando o Filipe tinha 11 anos. Depois disso existiu a Telescola e os habitantes de Covas do Monte ainda puderam estudar e aprender um  pouco mais. 

 

Era escola e agora é um Restaurante. Como é que foi esta transformação?

Depois de dez anos com o espaço fechado, o antigo espaço que era a escola reabriu, em 1999 como Restaurante. Abriu com o projeto Serra Nostra através do qual foi possível fazer obras e mobilar o espaço (os pratos onde nos serviram tem o logo azul e  esverdeado com as letras do nome do projeto). Criou-se também nessa altura a Associação Amigos de Covas do Monte e o nome do Restaurante passou a ser mesmo esse. Agora a concessão é de 2 em 2 anos e a selecção é feita através e proposta por envelope. A D. Amélia está a gerir já há algum tempo e pelo que nos conta tem corrido bem, “as pessoas ligam para aqui a marcar (“agora que já tenho telefone”) e vêm grupos grandes cá”.

 

O que se come aqui? 

A nossa refeição encheu o prato com uma costela de vitela e arroz de feijão e grelos. Depois a D. Amélia trouxe-nos batatas fritas só para mimar.

O menu do restaurante tem cabrito, arroz de cabidela, chanfana com batata cozida (cabra na panela), vitela e costeletas de vitela com arroz de feijão e grelos. De salientar que o pão que é servido é da aldeia, feito do milho que semeiam, “cada casa faz o seu pão”, acrescenta o Filipe, “e quando não há, vamos à vizinha pedir e depois devolvemos”.

A D. Amélia juntou-se à nós. Sentou-se no cantinho ao lado do Filipe, à nossa frente. Onde aprendeu a cozinhar? “Sei lá, aprendi comigo”, ri-se a D.Amélia. Para orientar nos primeiros tempos aqui no Restaurante veio o professor Daniel. “Ajudou-nos e ensinou-nos a cortar a fruta, a servir a mesa, a meter a mesa”, conta. “Começamos a empratar para cada cliente mas depois as pessoas diziam “meta aqui a travessa que nós servimo-nos”. “Também era mais prático para nós”, conta.

 

O que se bebe aqui?

Vinho e água. O vinho é de Silgueiros. 

 

Os animais. O que é isso do rebanho comunitário?

“O rebanho comunitário já foi muito maior, existiam três grupos”, começa por nos contar o Filipe. Nessa altura não ia um pastor, íam três e todos para o mesmo sítio. Depois reduziu-se a dois grupos e neste momento vai um só de cada vez, existem 500 cabras.

“Isso do rebanho comunitário… a pastorícia é que é comunitária, não é o rebanho”, esclarece. O rebanho tem o seu dono e depois de um dia de pastorícia regressa aos seus currais, “uma ou outra lá se metem no curral do vizinho” mas depois é fácil identificar de quem é qual pois todas têm alguma marca. 

Questionamos sobre a situação do lobo ibérico. “Ataca, às vezes mais outras vezes menos…pode passar uma semana sem aparecer, depois aparece todos os dias.” E não é perigoso para as pessoas? “Enquanto houver cabras não”. E quando um lobo ataca uma cabra, depois, qual é o procedimento? Antes, ligavam para a Reserva Natural de São Vicente e o ICNF e eles vinham fazer a vistoria e depois faziam uma ficha para cada animal. O grande problema é que 70% / 80% desses animais o lobo mata num local e depois leva para outro. “Agora, temos de mandar pela internet uma fotografia do número do animal. Como não temos internet, muitos desistem. Torna-se cada vez mais difícil receber o dinheiro desses prejuízos”, lamenta.Os cães continuam a ser a defesa necessária, afugentando os lobos quando estes querem atacar. Qual é o melhor cão pastor? “É o Castro Laboreiro, foi o primeiro cão que veio para aqui, é muito dócil, é o meu, o preto, isso foi em 2011, antes não havia desses cães aqui, eram só rafeiros”, recorda. “O Serra da Estrela também é muito bom”, acrescenta. 

Ainda se ouve-se o correr do vinho do jarro para o copo, a conversa continua, mas a partir daqui flui mais vagarosamente. 

 

Que animais existem aqui e o que se aproveita deles?

Existem vacas, cabras, ovelhas. O gado é de carne.“Os machos”, os machos é para comer e as cabras é para ficar no rebanho. Também há porcos e galinhas.

   

O que valorizam mais aqui, no meio onde vivem?

A D.Amélia foi a primeira a responder, “Eu gosto de trabalhar no campo. Gosto de trabalhar aqui no Restaurante, gosto de ir às cabras, aos meus cabritos, ovelhas, vacas, porcos”. Entretanto o telefone tocou e a D. Amélia saiu a dizer “pode ser alguém para marcar”. 

“Até gosto mais do que vou dizer, da minha liberdade, de não ter horários”, emociona-se de certa forma ao responder o Filipe. “Os meus amigos perguntam o que é que fazes à noite? 

e eu respondo: Vamos tomar café à escola primária antiga e dou comida às vacas”, ri-se o Filipe, rimo-nos todos. 

 

Existem alguns projetos novos para a aldeia, de melhoria de acessos, marcação de percursos novos, construção de um miradouro e o Filipe é uma pessoa muito interessada e pronto para novos desafios… ainda para mais quando tem a ver com a aldeia. Isso é muito bom! também como exemplo aos seus filhos, não é?

“Sim. Dá gosto conseguir fazer algumas coisa, agora quando não se consegue fazer nada é que é chato”. E até como exemplo de pai para os filhos e para o povo”, acrescenta.

   

Aprendemos que: 

 
  • O casulo é o que está por fora do milho.

  • “Deixar passar os espigos” - significa deixar passar muito tempo sem colher e depois deitam flor.